Ao abrir a sessão solene nesta quarta-feira (23), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reforçou que o pioneirismo da bióloga Bertha Lutz no movimento sufragista brasileiro inspira mulheres até hoje
No ano em que completa seu 20º aniversário, o Diploma Bertha Lutz voltou a ser concedido, após a interrupção provocada pela pandemia de coronavírus — a última edição havia acontecido em 2019. Na sessão solene promovida pelo Senado na manhã desta quarta-feira (23), foram premiadas mulheres que atuam em defesa dos direitos femininos e das questões de gênero. Também houve uma homenagem à farmacêutica bioquímica Maria da Penha, cuja luta contra a violência contra as mulheres resultou na lei que leva seu nome.
A sessão foi aberta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Ele lembrou o pioneirismo e a luta da bióloga Bertha Lutz como figura central do movimento sufragista brasileiro, e disse que ela continua a inspirar mulheres no caminho da autonomia e do respeito na sociedade brasileira.
— Todas as senhoras [dirigindo-se às premiadas] honram a memória dessa mulher [Bertha Lutz], essa mulher espetacular. Pioneira em tudo, uma pessoa de visão, uma pessoa engajada que transbordava competência e seriedade em tudo que fazia. Que a memória de Bertha Lutz e esta singela homenagem do Senado Federal sirvam sempre de inspiração a cada uma das senhoras que a recebem.
Vítima de violência doméstica, Maria da Penha foi escolhida como a homenageada especial na premiação deste ano. Autora do livro Sobrevivi… Posso contar, ela ficou paraplégica após sofrer agressões de seu então marido. Sua luta contra a violência doméstica e familiar contra as mulheres resultou na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e na fundação do instituto que também leva seu nome. Em 2005, ela foi agraciada com o Diploma Bertha Lutz.
A homenageada participou da sessão de forma remota. Ela ressaltou que houve, nos últimos anos, avanços e conquistas em defesa da segurança da mulher. Mas também lançou um desafio às mulheres: que se faça um “plano de quebra de legados”, pois, na sua visão, ainda persistem práticas que vulnerabilizam os processos de empoderamento feminino.
— Essa quebra de legado tem como principal objetivo o compromisso que todas nós devemos ter com a geração de meninos e meninas para o desenvolvimento e a maturidade das suas identidades cidadãs. É preciso quebrar o ciclo geracional da violência, da desigualdade de gênero, dos vários tipos de violência que cicatrizam o corpo e provocam a marca da humilhação e do constrangimento na vida e na alma das mulheres — defendeu Maria da Penha, que também criticou “as limitações de acesso aos direitos políticos devido ao modelo dominador do patriarcalismo”.
Os participantes da sessão — senadores e agraciadas com o diploma — também destacaram o incentivo ao empreendedorismo feminino como ferramenta no combate à violência contra às mulheres e às desigualdades de gênero no mercado de trabalho. A chef Ruth Almeida, agraciada com o Diploma Bertha Lutz, disse que usa a gastronomia como “meio de transformação social”. Ela pediu engajamento do Congresso Nacional na aprovação de projetos que auxiliem as mulheres na construção do seu próprio negócio.
— Vivi um relacionamento abusivo durante 28 anos. No dia em que eu me sentisse forte e capaz de me sustentar e enfrentar qualquer obstáculo que a vida me colocasse, eu ia abrir a boca e falar para todas as mulheres. Não tem cor, não tem raça, não tem posição social que faça que a gente não possa dar as mãos uma para a outra e pregar juntas. Eu peço a esta Casa, eu peço às senadoras, que criem projetos sociais voltados para a gastronomia das mulheres quilombolas, cozinhas comunitárias, onde elas possam criar o seu produto e vendê-lo, porque elas não têm (…). Eu sei a necessidade que essas mulheres passam, e nem todas vão ter a força que eu tenho, mas eu posso ajudar essas mulheres a sustentar as suas famílias.
Leila Barros (Cidadania-DF), que está à frente da Procuradoria Especial da Mulher do Senado, destacou o trabalho desempenhado por uma das agraciadas, Ilda Ribeiro Peliz, que é secretária de Modalidades Especializadas de Educação do Ministério da Educação e já foi presidente da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias. Leila disse que a trajetória de Ilda incentivou a “capacitação e os incentivos” para o empreendedorismo feminino, criando oportunidades de geração de renda e emprego para mulheres.
Já a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) ressaltou a atuação da professora Jocilene Barbosa, também agraciada com o Diploma Bertha Lutz. A parlamentar afirmou que Jocilene representa “com maestria” os educadores do país que, durante a pandemia, tiveram de se “reinventar” e superar desafios para manter o aluno na escola.
— De forma rápida e abrupta, diante da covid-19, ela exerceu a sua vocação através da educação com compromisso e muita maestria, precisando se reinventar de alguma forma. É uma declaração de compromisso com a educação — reiterou Daniella.
Segundo Jocilene, os projetos desenvolvidos por ela devem servir de inspiração para que outras mulheres possam fazer a diferença para a sociedade.
— Nós precisamos entender que, enquanto mulheres, a nossa luta, seja qual for a nossa história, a minha enquanto professora, as de vocês, são múltiplas. Mas é preciso ser essa referência de possibilidade, essa referência de sonho e essa referência de que é preciso inquietar e sair do lugar de inércia em que muitas vezes a gente se encontra — declarou a professora.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) destacou que, durante a pandemia, as mulheres entraram no centro dos debates e do protagonismo no que se refere ao combate ao coronavírus e à defesa da ciência. Ela elogiou o trabalho da agraciada Margareth Dalcolmo, médica peneumologista, e de todas as mulheres que atuam na linha de frente contra a doença e sua propagação.
Simone lembrou que, “no momento em que o Brasil mais precisou [dessas pessoas], quando a vida estava por um fio”, muitas vezes foi uma mulher quem “colocou vacina no braço do povo brasileiro, por meio de técnicos de enfermagem e enfermeiros, majoritariamente femininos”. A senadora também destacou que Margareth Dacolmo é uma das maiores autoridades em covid-19 no Brasil.
O mesmo reconhecimento a Dacolmo foi feito pela líder da bancada feminina no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA).
— A sua contribuição foi extremamente ampla e importante para o combate à covid-19, a partir do seu conhecimento e a partir da sua grande participação nesses experimentos no Brasil. Muito obrigada! — declarou Eliziane.
A presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senadora Rose de Freitas (MDB-ES), frisou que Margareth Dalcolmo faz história desde a década de 1980, quando demonstrou seu pioneirismo no combate ao tabagismo.
— Mulheres como a doutora Margareth Dalcolmo fazem a diferença sempre, em qualquer lugar. Não faz só a diferença, ela é uma luz — disse Rose.
A ministra-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, Flávia Arruda, uma das agraciadas com o Diploma Bertha Lutz, declarou que em um passado recente as mulheres não votavam, não podiam estudar, não podiam ser empreendedoras ou ocupar cargos no governo. Para ela, apesar de muitas transformações que já ocorreram, desafios e desigualdades ainda se fazem presentes, como na representação feminina no Congresso Nacional.
— Basta citar que somos 53% da população brasileira e que, no Congresso Nacional, do qual eu faço parte [ela é deputada federal licenciada], há hoje a maior bancada feminina da sua história. Mas ainda ocupamos apenas 15% das cadeiras parlamentares. Por isso, a importância das leis de discriminação positiva, na busca da igualdade e de transformação da sociedade em que vivemos.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, destacou o pioneirismo e a coragem de Wilma de Faria, ex-governadora do Rio Grande do Norte e ex-prefeita de Natal, por reforçar a defesa por mais mulheres nos espaços de poder. Wilma, que faleceu em 2017, recebeu o Diploma Bertha Lutz de forma póstuma nesta quarta-feira — ela foi representada durante a sessão por sua filha, Márcia Faria Maia.
— Ela [Wilma de Faria] sempre dizia: “Mais mulheres na política! Uma sociedade livre e democrática só é possível com a participação das mulheres”. E eu finalizo, dizendo aqui: mulheres, parlamentares ou não, mulheres brasileiras, vamos ocupar os espaços de poder para fazer uma diferença real na vida das mulheres, dos grupos que mais precisam, na economia, na educação, na ciência, na saúde, na segurança pública, na sociedade! A construção de um mundo novo e melhor é possível! — afirmou Zenaide.
Para a senadora Kátia Abreu (PP-TO), o alerta para a necessidade de ampliação da presença da mulher na política é importante porque, mesmo com as medidas de estímulo ao aumento da participação feminina, ainda é baixa a procura por filiação para a disputa nas próximas eleições.
— Estamos agora, neste período eleitoral, até o dia 2 de abril, fechando as alianças e as filiações partidárias. E, para minha tristeza, nós temos tido muita dificuldade de encontrar mulheres que se animam a entrar na política. Chega a doer meu coração. Nós aprovamos leis que beneficiam as mulheres, aumentando os recursos financeiros, aumentando o tempo de televisão, mas tem sido uma luta grande.
A entrega do Diploma Bertha Lutz neste ano faz parte das comemorações do Mês da Mulher. O nome do prêmio homenageia a bióloga Bertha Lutz (1894-1976), uma das figuras centrais do movimento sufragista brasileiro, que participou da luta pela emancipação das mulheres na academia, na política, na educação, na cultura e em outras áreas. As 21 agraciadas na sessão desta quarta-feira se destacam em seus respectivos ramos de atuação como empresárias, políticas, pesquisadoras, profissionais de saúde e do direito.
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